A fluoretação da água potável, prática adotada por diversos países como medida de saúde pública para prevenir cáries, voltou a ser tema de debates internacionais. A adição de flúor à água tratada teve início após cientistas observarem que populações expostas naturalmente ao mineral apresentavam taxas significativamente menores de cárie dentária, informa BBC Brasil.
No Brasil, a fluoretação da água é obrigatória desde 1974. De acordo com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), a medida foi responsável por reduzir entre 50% e 65% os casos de cárie após uma década de exposição. Estima-se que aproximadamente 2.664 pessoas por 100 mil habitantes convivam com cáries relacionadas à ausência de flúor, e desde 2024, mais de 500 mil pacientes foram atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com esse problema.
Apesar dos resultados, a medida passou a ser questionada por influenciadores e setores políticos, especialmente nos Estados Unidos. No final de março de 2025, o estado de Utah foi o primeiro a proibir a adição de flúor ao abastecimento público de água. Em maio, o governador da Flórida, Ron DeSantis, sancionou uma lei que restringe o uso de certos aditivos, incluindo o flúor, encerrando uma prática em vigor desde 1949.
Robert F. Kennedy Jr., secretário de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, declarou em abril que solicitou aos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) que recomendem a suspensão da fluoretação, enquanto a Agência de Proteção Ambiental revisa as evidências científicas disponíveis.
Ainda assim, grande parte da comunidade científica considera a fluoretação da água uma das principais conquistas da saúde pública moderna. Estudos indicam que a prática continua eficaz, especialmente em populações com menos acesso a cuidados odontológicos. Uma revisão australiana de 2016 apontou redução de 35% nas cáries em dentes de leite em crianças, resultado semelhante ao identificado em um relatório britânico de 2022, que analisou dados de crianças de três anos.
A eficácia é mais evidente em áreas socialmente vulneráveis. Para a professora Vida Zohoori, especialista em saúde pública e nutrição na Universidade de Teeside, no Reino Unido, e coautora das diretrizes de fluoretação da Associação Internacional para Pesquisa Dental, a fluoretação contínua e em baixa dose traz benefícios, sobretudo para crianças em situação de vulnerabilidade. “A fluoretação reduz desigualdades em saúde, pois atinge toda a população, independentemente de classe social”, afirmou. Ela compara os índices de cárie entre Middlesbrough, que não tem fluoretação, e Hartlepool, que possui flúor natural na água, e observa diferença significativa nas taxas entre as duas cidades.
Cerca de 25 países adotam a fluoretação da água, incluindo Brasil, Malásia, Cingapura, Irlanda, Espanha e partes do Reino Unido. Nos Estados Unidos, 63% da população (cerca de 209 milhões de pessoas) consome água fluoretada. Outros 12 milhões recebem água com flúor natural.

Por outro lado, opositores da prática destacam estudos que associam altos níveis de flúor a possíveis riscos, como a redução do QI em crianças. Uma meta-análise de 2025 levantou essa hipótese, mas especialistas apontaram falhas metodológicas e observaram que os efeitos surgem apenas quando a concentração de flúor está acima do dobro do limite recomendado nos EUA.
Outro argumento usado por críticos é o fato de que a maioria dos países não adiciona flúor artificialmente à água. Em muitos desses locais, o mineral já está presente em níveis naturais considerados suficientes. O excesso de flúor pode causar efeitos adversos, como a fluorose dentária — manchas brancas nos dentes — quando a concentração ultrapassa 1,5 mg/l, ou fluorose esquelética, condição mais grave associada a níveis acima de 6 mg/l.
As diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendam um limite de 1,5 mg/l para água potável. Nos EUA, o valor sugerido é de até 0,7 mg/l, enquanto no Reino Unido as companhias de abastecimento mantêm o nível abaixo de 1 mg/l.
A discussão tem ganhado novos contornos com o posicionamento de figuras públicas. O influenciador de bem-estar Calley Means, que atua como conselheiro do governo norte-americano, classificou o uso de flúor na água como um “ataque às crianças de baixa renda”. Ele também recomendou que os pais deixem de usar pastas de dente com flúor. A irmã de Calley, Casey Means, foi indicada pelo ex-presidente Donald Trump para o cargo de cirurgiã-geral dos EUA.
O flúor também foi citado no relatório Make America Healthy Again (“Faça a América Saudável de Novo”), que aborda as causas de doenças crônicas na infância nos EUA, refletindo a crescente oposição ao uso do mineral no país.
Enquanto o debate se intensifica, especialistas continuam a defender a fluoretação como uma política pública eficaz de prevenção, sobretudo em contextos de desigualdade social, ressaltando a importância de basear decisões em evidências científicas atualizadas e revisadas.