Moradores do distrito de Monte Alto, em Padre Bernardo (GO), protestam neste domingo (29), às 14h, exigindo o encerramento definitivo das atividades do Aterro Sanitário Ouro Verde. O local, instalado desde 2016, foi interditado pela Justiça no último dia 26 de junho após sofrer um deslizamento de grandes proporções no dia 18, o que provocou sérias consequências ambientais e de saúde pública na região, informa Agência Brasil.
A aposentada Rosileuda Rodrigues, de 57 anos, é uma das líderes da mobilização. Ela precisou ser internada por três dias por problemas respiratórios após o incidente. “Mesmo depois da interdição, o cheiro continua forte. Acho que nunca mais nosso lugar vai ser o que já foi”, lamenta. Natural da região, Rosileuda relata que perdeu o prazer de viver em meio à natureza e sente saudades do tempo em que a comunidade se reunia à beira do córrego Santa Bárbara, onde o vento trazia o perfume da mata nativa e o canto dos pássaros preenchia o ambiente.
As imagens do desmoronamento, ocorrido por volta das 9h da manhã do dia 18, foram gravadas por moradores e circularam rapidamente em grupos de mensagens. Segundo relatos, as autoridades só foram formalmente informadas sobre o caso no fim da tarde, pelos próprios responsáveis pelo aterro.
O movimento deste domingo é liderado por moradores como o vigilante Sebastião Fernandes, que também atua como liderança comunitária. “Nosso ato é para chamar atenção da sociedade para que nunca mais reabra. E que toda essa montanha de lixo seja retirada de nossa comunidade. Nunca mais pode funcionar”, afirma.
De acordo com o engenheiro florestal Fábio Miranda, chefe da Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio Descoberto e membro do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o aterro Ouro Verde já era alvo de diversas autuações, embargos e denúncias por operar sem licenciamento ambiental adequado. “Funcionava sob liminar, sem autorização ambiental válida. A área já estava embargada há bastante tempo pelo ICMBio e pelo Estado, mas mesmo assim continuava operando”, explica.
Segundo Miranda, o deslizamento foi o maior desastre ambiental já registrado na região. Estima-se que cerca de 40 mil metros cúbicos de lixo tenham deslizado, liberando chorume altamente tóxico. O resíduo atingiu o curso d’água da bacia do Rio Maranhão, que integra o sistema Tocantins-Araguaia, uma das principais do país. “Esse líquido vai contaminar o curso d’água por muito tempo. Ainda não sabemos até onde pode chegar”, alerta.
O engenheiro destaca que o aterro recebia lixo de empresas privadas do Distrito Federal, atraídas por menores custos operacionais. Os resíduos são de natureza diversa, sem qualquer triagem ou tratamento adequado, o que aumenta a complexidade do impacto ambiental. “É difícil até classificar o tipo de material despejado ali”, observa.

Após o desabamento, o Ministério Público acionou a Justiça Federal, que determinou a interdição do aterro em 26 de junho. A decisão do juiz federal Társis Augusto de Santana Lima, de Luziânia (GO), também bloqueou R$ 10 milhões das contas da empresa responsável e decretou a indisponibilidade de bens no valor de R$ 2,2 milhões.
A decisão trouxe algum alívio à comunidade. “Ficamos mais otimistas com essa decisão da justiça. Representa esperança”, afirma Sebastião Fernandes, que mora há mais de 20 anos no local e tem liderado ações para manter a mobilização ativa.
O desastre ambiental acendeu alertas também fora do município. O presidente da ONG Amigos das Veredas, Flávio do Carmo, afirma que o chorume já atingiu o lençol freático do córrego Santa Bárbara, prejudicando a fauna, a agricultura e o abastecimento de água. “Trata-se de uma área com valor histórico, que poderia ser aproveitada para o ecoturismo. Hoje, está completamente comprometida. É preciso garantir compensação ambiental à comunidade”, defende.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás (Semad) confirmou um aumento expressivo nos poluentes da água, com alterações na salinidade, redução do pH e aumento da presença de sólidos dissolvidos. O superintendente de fiscalização da Semad, Marcelo Salles, informou que os trabalhos de contenção da contaminação e remoção do lixo devem levar entre um e dois meses. A prioridade é agir antes do início do período chuvoso, previsto para começar em 90 dias.
Apesar das promessas das autoridades, moradores demonstram desconfiança. Durante visita da reportagem da Agência Brasil, a professora Joana D’Arc Sousa, de 51 anos, confrontou o prefeito Joseleide Lázaro. “A gente tinha avisado que essa tragédia estava anunciada. Agora estamos sofrendo e queremos soluções”, afirmou. O prefeito disse que sua gestão acompanha o caso desde o início e ressaltou que a responsabilidade pelo licenciamento do aterro é do Estado. “Foi licenciado e renovado em 2018. Qualquer empreendimento que cause danos a terceiros não pode continuar operando”, disse.
Antes mesmo do deslizamento, diversos moradores já haviam deixado a região. Joana D’Arc relata que muitos não acreditam em uma recuperação ambiental a curto prazo. “A reconstrução vai levar anos”, afirma.
Rosileuda Rodrigues finaliza com um apelo emocionado: “Hoje, estamos aqui, mas amanhã nossos netos e bisnetos podem não encontrar uma cachoeira limpa ou uma paisagem bonita para admirar. Queremos nossa história de volta”.