Pesquisadores anunciaram a descoberta das primeiras ossadas humanas no antigo cemitério de escravizados do Campo da Pólvora, em Salvador. A área, atualmente utilizada como estacionamento do Complexo da Pupileira, no bairro de Nazaré, estava soterrada há quase dois séculos. A revelação foi feita durante coletiva de imprensa na sede do Ministério Público da Bahia, nesta segunda-feira (26).
O projeto arqueológico é coordenado pela arqueóloga Jeanne Dias e localizou ossos largos e dentes a cerca de 2,5 metros de profundidade. O solo úmido e ácido comprometeu parte da preservação dos materiais, que agora passarão por tratamento de conservação. Embora imagens ainda não tenham sido divulgadas, os pesquisadores classificam o achado como um patrimônio sensível de valor histórico e simbólico.
As escavações foram iniciadas em 14 de fevereiro de 2025, data que marcou os 190 anos da Revolta dos Malês. Dois dias depois, surgiram os primeiros vestígios. A equipe espera encontrar, entre os restos mortais, corpos de participantes da Revolta dos Malês (1835), da Revolta dos Búzios (1798) e da Revolução Pernambucana (1817).
A redescoberta do cemitério se deu a partir da pesquisa de doutorado da arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, da Universidade Federal da Bahia (Ufba), que cruzou mapas do século 18, registros históricos e documentos da Santa Casa de Misericórdia para localizar a área. Segundo a pesquisadora, o cemitério abrigava valas comuns e era utilizado para enterrar pessoas escravizadas, indígenas, ciganos e pessoas pobres que não tinham condições de arcar com os custos de um sepultamento formal.
O local funcionou por mais de 150 anos, inicialmente sob administração da Câmara Municipal e depois da Santa Casa. As atividades foram encerradas em 1844. A Santa Casa foi notificada da descoberta em 2024, mas, segundo os pesquisadores, não houve resposta institucional.
A intervenção arqueológica foi viabilizada por meio de articulação entre a pesquisadora Silvana Olivieri, o professor de Direito da Ufba Samuel Vida e o Ministério Público da Bahia, que intermediou as negociações e autorizou o início das escavações em março deste ano.