O número é real e já aconteceu: em um único dia, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Salvador registrou mais de 600 trotes. O episódio, embora tenha ocorrido há dois anos, ainda causa espanto e é mais uma fotografia de uma realidade que só piora.
Em Salvador, os trotes ao Samu voltaram a crescer. Entre janeiro e julho deste ano, o Samu da capital baiana registrou 31.547 ligações falsas, um crescimento de 6,9% em relação ao mesmo período de 2024, quando foram 29.504. Isso representa 14,9% de todas as chamadas recebidas pelo serviço em 2025 — ou seja, praticamente 1 em cada 7 chamadas foi um trote. Um dado alarmante, que traduz em números a irresponsabilidade de quem brinca com o bem público.
Parte significativa dessas ligações parte de crianças, muitas vezes sem a supervisão de um adulto. Mas há também adultos que cometem esse tipo de infração de forma deliberada e, em alguns casos, maliciosa. “A gente recebe muitas ligações feitas por crianças, mas também tem adultos que fazem isso por má fé mesmo, com o intuito de enganar”, afirma o coordenador do Samu Salvador, Ivan Paiva.
Em um país onde as emergências fazem parte do cotidiano – colisões, tiroteios, paradas cardíacas – brincar com um serviço de urgência é um gesto de insensibilidade. Por isso, além da punição, é fundamental falar de educação, sobretudo com crianças. “A gente precisa ensinar desde cedo o que é um serviço público, o que é o Samu e o que representa o trabalho dessas equipes. É um processo educativo que envolve família, escola e sociedade”, completa Paiva.
Os trotes não são todos iguais. Há os mais fáceis de identificar – zombarias, xingamentos, ligações silenciosas. Mas há também os mais sofisticados e perigosos. “Tem chamados que simulam acidentes com vítimas, tiroteios em lugares inexistentes, incêndios. A gente envia viaturas e não encontra nada. Esse tipo de simulação, além de cruel, coloca em risco quem realmente precisa”, denuncia Ivan Paiva.
Crime
Apesar de o trote ser crime previsto no Código Penal Brasileiro (artigo 265 – perturbação do serviço público), com pena de até seis meses de detenção e multa, a maioria dessas ligações segue impune. Isso porque muitos chamados são realizados por números anônimos ou com identificações falsas.
Ainda assim, o Samu tem intensificado os esforços para responsabilizar os reincidentes. “Nós temos um levantamento de números que fizeram mais de 50 trotes em um único ano. Esses dados são encaminhados ao Ministério Público, porque cada número está vinculado a um CPF. Estamos tentando coibir com os instrumentos que temos”, explica o coordenador do serviço.
Impacto
O SAMU lembra que brincar com o serviço é muito mais do que uma perda de tempo: é desviar recursos públicos, colocar vidas em risco e sobrecarregar ainda mais uma rede
que já opera no limite. Em Salvador, equipes do Samu atendem diariamente a dezenas de casos graves – traumas, acidentes, paradas cardiorrespiratórias, crises respiratórias, pacientes feridos em tiroteios ou em condições clínicas críticas, que muitas vezes têm como destino o Hospital Geral do Estado (HGE), referência em urgência e emergência.
Cada trote é um deslocamento desnecessário de ambulância e equipe médica, que poderiam estar salvando uma vida real em outro ponto da cidade. “O tempo que a equipe perde se deslocando até um chamado falso pode ser a diferença entre a vida e a morte para outra pessoa”, alerta Ivan Paiva.
Fonte: Tribuna da Bahia
Foto: Divulgação

