Uma das vozes mais potentes e poéticas na defesa dos povos indígenas e da floresta amazônica chega às telas do cinema. Observando o alto das árvores e o céu, o xamã e ativista Davi Kopenawa Yanomami compartilha reflexões sobre a ancestralidade de seu povo, os impactos da invasão às terras indígenas, a urgência da preservação ambiental e os rumos da humanidade.
Seu depoimento compõe o documentário Kopenawa: Sonhar a Terra-Floresta, dirigido por Tainá de Luccas e Marco Altberg. O filme, exibido no último sábado (26) durante o Festival de Cinema Sul-Americano (Cinesur), em Bonito (MS), comoveu o público e foi além de uma experiência cinematográfica, assumindo o papel de manifesto poético e político. A obra propõe reflexões profundas sobre os conhecimentos ancestrais, a crise ecológica e a resistência indígena.
“O Davi é um manifesto vivo, pois carrega uma cultura originária, ancestral e espiritual. Ele teve a força de traduzir isso. Os pensadores indígenas são hoje as pessoas mais clarividentes. São verdadeiras antenas para o mundo”, declarou Marco Altberg, um dos diretores, à Agência Brasil. Altberg já realizou filmes sobre Ailton Krenak e o Cacique Raoni e afirma que continuará a registrar as vozes dos pensadores indígenas sempre que possível.
Kopenawa: Sonhar a Terra-Floresta é um dos filmes da Mostra Ambiental do Cinesur, que, neste ano, ocorre em paralelo ao Dia Mundial da Conservação da Natureza (28 de julho). A mostra enfatiza a urgência das questões ambientais que afetam diretamente os ecossistemas e as comunidades sul-americanas.
“A maioria desses filmes mostra o panorama atual da crise ambiental. Eu destacaria dois temas muito fortes: a questão da água, como as enchentes no Rio Grande do Sul e o extremo oposto, que é a seca no Pantanal”, explicou Elis Regina Nogueira, curadora da Mostra Ambiental. “Mas também temos filmes que denunciam e filmes que inspiram esperança”, completou.
Para Elis, o documentário sobre Kopenawa é um exemplo claro de obra que oferece caminhos e resistência. “Há um equilíbrio entre denúncia e esperança. Esses filmes mostram muita luta, como a dos povos originários, que são exemplo de resiliência e deveriam ser referência para todos nós”, afirmou.
Embora a mostra reúna obras de diversos países e abordagens, alguns temas se repetem, refletindo a recorrência de problemas na região: mineração, exploração de petróleo, escassez hídrica e contaminação provocada pelo agronegócio, segundo a curadora.
Além de alertar sobre a crise climática, o cinema ambiental promove debates sobre cidadania, destaca o professor de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará (UFC), Marcelo Ikeda, que também é cineasta, curador e crítico de cinema.
“O capitalismo é muito predatório. Ele visa gerar bens e capital, mas estamos vendo que esse modelo está se esgotando e junto com ele, o meio ambiente. O cinema ambiental não é apenas plantar árvores, é uma forma de repensar nossos modos de existência, numa perspectiva mais holística”, avaliou Ikeda.
Segundo ele, o cinema ambiental também questiona a maneira como nos relacionamos com o tempo, com o espaço e com a natureza, denunciando como o ritmo acelerado da vida moderna tem impactado não só os recursos naturais, mas também os modos de vida das pessoas.
Essa perspectiva é evidenciada no documentário Rua do Pescador Nº 6, dirigido por Bárbara Paz, que também foi apresentado no Cinesur. O filme mostra os impactos das enchentes históricas no Rio Grande do Sul, com foco na comunidade da Ilha da Pintada, em Porto Alegre. Além das imagens da destruição, a obra dá voz aos moradores, que compartilham suas histórias, dores e esperanças.
“É um filme forte, sensorial e urgente, um ensaio sobre a tragédia”, descreveu a diretora. “Essa crise climática que estamos vivendo é só o começo. Cada vez mais teremos documentos, retratos e filmes sobre isso. Esse é um tema urgente. Esse festival me interessa muito porque ele faz a diferença”, afirmou Bárbara Paz.
A curadora Elis Regina destaca que, embora o cinema ambiental não seja algo recente, ele tem conquistado cada vez mais espaço e visibilidade. “Hoje há muitos festivais focados em meio ambiente. O Bonito Cinesur é essencial porque mostra o que está sendo produzido na América do Sul sobre essas questões”, comentou.
“Isso demonstra que o cinema é uma ferramenta poderosa para refletir, denunciar e, ao mesmo tempo, manter alguma esperança”, concluiu.
Neste ano, a curadoria do Cinesur recebeu 47 filmes entre curtas e longas-metragens para a Mostra Ambiental. As exibições seguem até o dia 2 de agosto. Informações adicionais podem ser encontradas no site oficial do festival.