Em menos de um ano, pelo menos cinco acidentes graves foram registrados no Vale do Pati, uma das regiões mais visitadas da Chapada Diamantina, na Bahia. O local, conhecido por suas trilhas desafiadoras e paisagens exuberantes, recebe milhares de visitantes por ano, número que não é oficialmente contabilizado devido à ausência de dados consolidados, mas tem sido marcado por episódios de insegurança relacionados à atuação de agências de turismo.
De acordo com uma denúncia coletiva encaminhada ao Ministério Público Federal (MPF), algumas dessas agências vêm operando com poucos guias para grupos numerosos de turistas, a fim de maximizar lucros, comprometendo a segurança nas trilhas. Das cinco ocorrências mais graves no período recente, três teriam ocorrido nesse tipo de situação, informa portal Correio.
Guias ouvidos pela reportagem sob anonimato relataram que, em algumas excursões, duas pessoas são responsáveis por conduzir até 30 turistas, além de também assumirem tarefas como cozinhar durante as expedições. Em percursos que podem durar até cinco dias, esses profissionais chegam a carregar mochilas de até 30 kg.
Desde 2021, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) determina a obrigatoriedade de controle de proporção entre guias e participantes em atividades de aventura. A fiscalização desse controle cabe ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável também por medidas preventivas. No entanto, não há definição específica para o número máximo de turistas por guia no Vale do Pati. Em contraste, outros destinos da Chapada, como a Cachoeira do Buracão, adotam uma proporção definida: um guia para cada seis turistas em trilhas de cerca de 50 minutos, estabelecida por consenso entre associações locais.
Segundo a denúncia, o ICMBio não estaria apenas falhando na fiscalização da proporção adequada entre guias e visitantes, mas também permitindo a atuação de profissionais não cadastrados, sem formação comprovada ou vínculo com a entidade. Esse cenário favorece a ocorrência de acidentes por despreparo técnico. Uma portaria do ICMBio publicada em 2019 previa a criação do Programa Condutores de Visitantes, com critérios rigorosos de qualificação, incluindo cursos de primeiros socorros, conhecimento sobre a unidade de conservação e ética profissional. No entanto, o programa não foi plenamente implementado.
Além da segurança dos visitantes, a denúncia também destaca a precarização das condições de trabalho enfrentadas pelos guias, especialmente após o aumento da demanda por turismo na região no pós-pandemia. Guias relataram que agências costumam optar por um modelo de excursão em que eles precisam cozinhar todas as refeições, além de acompanhar os grupos nas trilhas e realizar outras tarefas logísticas. Esse acúmulo de funções gera jornadas exaustivas, que começam antes do amanhecer e se estendem até a noite, comprometendo a saúde dos trabalhadores e a qualidade do atendimento aos turistas.
Rafael Lage, condutor de trilhas e único denunciante identificado formalmente, afirma que muitos profissionais se sentem obrigados a aceitar essas condições para não perderem espaço no mercado, mesmo com baixos salários e equipamentos de segurança inadequados. Ele destaca que a situação, embora grave, não representa todos os profissionais da região. “No geral, temos ótimos guias, que sabem defender os seus direitos e prezam por boas práticas”, afirmou.
A situação foi levada também ao Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT-BA), que recebeu a denúncia na última sexta-feira (27). A instituição informou que o caso foi encaminhado para sua unidade em Feira de Santana, onde foi aberto um procedimento em fase inicial. O prazo para apuração é de 90 dias, com possibilidade de prorrogação. “Primeiro, devemos colher documentos e depois testemunhos”, informou o MPT-BA.