Cinco anos após o início da pandemia de covid-19, educadores e pesquisadores identificam efeitos significativos no desenvolvimento de crianças pequenas que vivenciaram seus primeiros anos de vida durante o período de isolamento social. Em Santa Monica, nos Estados Unidos, a professora de pré-escola Rebekah Underwood percebeu mudanças marcantes em sua turma de 2025: as crianças, com idades entre cinco e seis anos, são mais cautelosas fisicamente e demonstram insegurança em atividades como cambalhotas, pulos e escaladas.
A hipótese de Underwood é compartilhada por especialistas. A ausência de exploração ao ar livre, a suspensão de atividades sociais e a rotina doméstica limitada durante os lockdowns podem ter afetado o desenvolvimento físico e emocional das crianças. As escolas fecharam repentinamente em março de 2020, afetando cerca de 2,2 bilhões de crianças e jovens em todo o mundo.
Além da ausência de atividades físicas, crianças pequenas apresentaram dificuldades de socialização, vocabulário reduzido e maior sensibilidade a estímulos, como sons altos. Em sua escola, Underwood relata que a música precisou ser retirada da grade por um tempo, pois o barulho causava incômodo e desregulação emocional, BBC News Brasil.
Efeitos mensuráveis
Para entender os impactos da pandemia, pesquisadores da Universidade de Londres desenvolveram o estudo Nascidos no Ano da Covid: Principais Efeitos do Lockdown (Bicycle), focado em crianças nascidas entre março e junho de 2020. Os primeiros resultados sugerem que essas crianças têm vocabulário mais limitado e maior dificuldade com raciocínio e funções executivas.
“Sabemos que os primeiros meses de vida são essenciais para o aprendizado da comunicação social”, explica a psicóloga Nicola Botting, uma das líderes do estudo. Durante os lockdowns, crianças deixaram de vivenciar interações sociais básicas, como ver rostos diferentes ou ouvir outras vozes.
Educação e desigualdade

A interrupção escolar também deixou marcas profundas. Segundo a Academia Nacional de Ciências dos EUA, todos os indicadores de engajamento e aprendizagem estão piores do que estariam sem a pandemia. Estudantes de baixa renda foram os mais prejudicados, especialmente aqueles com acesso limitado à internet ou dispositivos para ensino remoto.
Um estudo global publicado em janeiro de 2025 mostrou que as notas de matemática caíram, em média, 14%, o equivalente a sete meses de aprendizado. O impacto é maior entre meninos, imigrantes e alunos de escolas com fechamentos mais longos.
A consultoria McKinsey estima que, nos Estados Unidos, essas perdas podem gerar um prejuízo anual de até US$ 188 bilhões à economia, devido à redução da renda futura desses estudantes.
Efeitos físicos e emocionais

Os impactos vão além da aprendizagem. No Reino Unido, a obesidade infantil entre crianças de 10 e 11 anos aumentou durante a pandemia, persistindo nos anos seguintes. Estima-se que cerca de 56 mil crianças a mais estejam com obesidade, o que pode gerar um custo de £ 8,7 bilhões (R$ 64 bilhões) à sociedade britânica.
A saúde mental também foi afetada. Crianças demonstraram mais ansiedade, irritabilidade e problemas de comportamento. O distanciamento social, o estresse familiar e a exposição a temas complexos, como mortes e notícias alarmantes, contribuíram para o quadro.
Por outro lado, alguns pesquisadores observaram avanços na maturidade emocional. “As crianças foram expostas a situações difíceis, e isso pode ter acelerado seu amadurecimento emocional”, explica a pesquisadora Judith Perrigo, da Universidade da Califórnia (UCLA).
Caminhos para a recuperação
Especialistas alertam que os efeitos da pandemia não desaparecerão sem ação coordenada. Intervenções como reforço escolar em pequenos grupos, atividades de estímulo à linguagem e reintrodução gradual de estímulos sociais e sensoriais são recomendadas para mitigar os impactos.
Embora ainda seja cedo para mensurar todos os efeitos de longo prazo, os primeiros sinais indicam que a geração da pandemia precisará de atenção especial nas próximas décadas. A professora Underwood, no entanto, se mostra otimista: sua turma atual já apresenta avanços significativos em relação aos anos anteriores. “Eles estão mais aventureiros. Ainda há desafios no desenvolvimento socioemocional, mas estamos vendo progresso”, afirma.