Milhões de trabalhadores da indústria de vestuário em países asiáticos estão sob crescente preocupação diante da possibilidade de tarifas punitivas impostas pelos Estados Unidos. O prazo para negociações comerciais com Washington está se encerrando, e, caso não haja acordo até 1º de agosto, os novos encargos começarão a valer, afetando diretamente países como Camboja e Sri Lanka, informa BBC NEWS Brasil.
As tarifas foram anunciadas pelo ex-presidente dos EUA, Donald Trump, em uma carta enviada a diversas nações, inclusive o Brasil, após um período de 90 dias para negociação. Para o Camboja, a tarifa proposta é de 36%, enquanto para o Sri Lanka, 30%.
Ambos os países são importantes centros de produção de roupas e têm os Estados Unidos como principais compradores. Empresas como Nike, Levi’s e Lululemon estão entre as grandes marcas que dependem das importações dessas regiões para abastecer o mercado americano.
Impacto social direto
No Camboja, a indústria de vestuário emprega mais de 900 mil pessoas e representa mais de 10% das exportações totais do país. Somente no ano passado, as exportações de roupas para os EUA somaram mais de US$ 3 bilhões, segundo dados da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean).
Trabalhadores como Nao Soklin, que atua em uma fábrica no sudeste cambojano ao lado do marido, temem pelo futuro. “Você pode imaginar o que irá acontecer se perdermos nossos empregos?”, questiona. O casal trabalha mais de 10 horas por dia confeccionando bolsas e ganha cerca de US$ 570 mensais, valor que mal cobre os custos com aluguel, filhos e pais idosos.
“Quero mandar uma mensagem ao presidente Trump: por favor, suspenda a tarifa sobre o Camboja. Precisamos dos nossos empregos para sustentar nossas famílias”, apelou Soklin.
No Sri Lanka, a situação também é delicada. O setor de vestuário é o terceiro maior gerador de moeda estrangeira do país, tendo arrecadado US$ 1,9 bilhão em exportações para os EUA em 2024. A indústria emprega cerca de 350 mil pessoas. “Se [30%] for o número final, enfrentaremos sérios problemas. Concorrentes como o Vietnã receberam tarifas mais baixas”, destacou Yohan Lawrence, secretário-geral do Fórum Conjunto da Associação de Vestuário do Sri Lanka.
Última rodada de negociações
Autoridades dos dois países ainda tentam renegociar os termos. O Sri Lanka obteve uma concessão inicial de 14 pontos percentuais nas tarifas propostas, e o Camboja, de 13. Ainda assim, ambos seguem pressionando por uma redução mais significativa.
“Queremos que a tarifa seja zero”, afirmou o vice-primeiro-ministro cambojano, Sun Chanthol, que lidera a equipe de negociação. “Mas respeitamos a decisão deles e continuaremos tentando negociar uma alíquota mais baixa.”
Justificativas e críticas
Trump defende que as tarifas são necessárias para reduzir o desequilíbrio comercial entre os Estados Unidos e os países exportadores. “Nosso relacionamento, infelizmente, tem sido longe de ser recíproco”, afirmou o ex-presidente em cartas enviadas aos líderes estrangeiros e publicadas na sua rede Truth Social.
No entanto, analistas discordam dessa abordagem. O professor Mark Anner, da Universidade Rutgers, lembra que os acordos comerciais anteriores proporcionavam benefícios também para os EUA, como o acesso a roupas a preços mais baixos e maiores lucros para empresas importadoras.
Ele ainda ressalta que o sistema de cotas comerciais, vigente até 2005 entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, permitia que nações como o Sri Lanka expandissem sua indústria têxtil. “Impor tarifas proibitivas agora contraria o próprio caminho de desenvolvimento estabelecido pelos EUA anteriormente”, disse.
Desigualdades agravadas
Os efeitos sociais da medida são especialmente severos para as mulheres, que representam cerca de 70% da força de trabalho na indústria de vestuário da Ásia. O risco de demissões em massa e o congelamento de salários já baixos ampliam a vulnerabilidade econômica de muitas famílias.
“Rezamos todos os dias para que o presidente Trump suspenda as tarifas”, declarou An Sopheak, funcionária de uma fábrica de roupas em Phnom Penh, no Camboja. Ela vive com o marido e os filhos em um quarto de 16 m². “Temos pouca formação. Não conseguimos encontrar outros empregos.”
No Sri Lanka, Surangi Sandya, supervisora de produção em Nawalapitiya, também teme pela estabilidade de seu emprego. “As empresas não trabalham com prejuízo. Se os pedidos caírem, pode haver fechamento da companhia”, disse.
Alguns trabalhadores consideram migrar ilegalmente para países vizinhos, como a Tailândia, em busca de novas oportunidades. “Nossa sobrevivência depende da fábrica de roupas. Não iremos sobreviver se nosso patrão fechar as portas”, reforça Sopheak.
Fatores geopolíticos em jogo
Especialistas observam ainda que as tarifas não se limitam a questões comerciais, mas também envolvem aspectos geopolíticos. Sheng Lu, professor da Universidade de Delaware, aponta que as cadeias de fornecimento desses países são fortemente dependentes da China — rival estratégico dos EUA.
Segundo ele, os países asiáticos precisam encontrar um “equilíbrio delicado” entre manter relações com a China e atender às exigências americanas, o que pode incluir restrições no uso de matérias-primas chinesas.