O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) afirmou, por meio de publicação na rede social X (antigo Twitter), que senadores estariam articulando a votação de três projetos que, se aprovados, poderiam anular os efeitos da Portaria MTE nº 3.665/2023. Segundo o parlamentar, essa medida abriria brecha para que trabalhadores fossem submetidos a jornadas contínuas, sem direito a dias de descanso — o que ele classificou como uma possível “escala 7×0”.
A portaria mencionada foi publicada em novembro de 2023 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com o objetivo de restabelecer a exigência de convenção coletiva para autorizar o trabalho em feriados no setor do comércio. A norma tem respaldo na Lei nº 10.101/2000, com alterações introduzidas pela Lei nº 11.603/2007, que também exige o cumprimento das normas municipais. De acordo com o MTE, a iniciativa corrige uma distorção provocada em 2021, quando a Portaria nº 671 passou a permitir o trabalho em feriados sem necessidade de negociação com os sindicatos da categoria.
Apesar de publicada, a Portaria nº 3.665 ainda não está em vigor. A aplicação da norma foi adiada para 1º de março de 2026, após negociações entre o ministério e o Congresso Nacional.
Frente às preocupações levantadas por Boulos, o advogado trabalhista Breno Zanoni Cortella esclarece que o direito ao descanso semanal é protegido pela Constituição Federal e, portanto, não pode ser extinto por meio de lei ordinária. Para ele, mesmo que o Congresso aprove alguma proposta nesse sentido, o Judiciário tem prerrogativa para barrar qualquer tentativa de retrocesso.
“O direito ao repouso semanal é um direito fundamental, com status de cláusula pétrea. Isso significa que nem mesmo por meio de negociação coletiva ele pode ser eliminado”, explica o advogado. Segundo Cortella, a proteção desse direito vai além da legislação trabalhista — trata-se de uma conquista civilizatória que preserva a saúde e a dignidade do trabalhador, e que também beneficia o empregador ao garantir melhores condições de produtividade.
Há exceções previstas em lei que permitem a adoção de escalas diferenciadas em algumas categorias, desde que o descanso seja compensado e haja pagamento adicional. Essas situações, no entanto, não significam o fim do direito ao repouso semanal remunerado.
Cortella ressalta ainda que o movimento social atual caminha em direção à redução da jornada de trabalho, e não ao seu aumento. Para ele, a eliminação do descanso semanal representaria um grave retrocesso. “Os avanços nos direitos trabalhistas foram conquistados com muita luta social. Revogar garantias tão fundamentais compromete não apenas os direitos dos trabalhadores, mas também a própria base de uma economia equilibrada e sustentável”, pontua.
Procurado pela reportagem, o deputado Guilherme Boulos ainda não se pronunciou oficialmente sobre os bastidores da articulação no Senado envolvendo a possível derrubada da Portaria MTE nº 3.665/2023.