Um cenário que se torna cada vez mais comum nas grandes cidades brasileiras tem ganhado destaque em Salvador. Na Rua Caetano Moura, no bairro da Federação, há um retrato da crescente vulnerabilidade social da capital baiana. Mário Sérgio Nascimento, de 47 anos, vive em um ponto de ônibus que transformou em abrigo improvisado. Após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC), ele convive com dificuldades de fala e não conseguiu inserção no mercado de trabalho. Segundo informações do portal Correio, ele também não busca auxílio de órgãos públicos.
Mário passa a maior parte do tempo no ponto em frente à Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUfba), mas afirma que também se desloca para outros pontos da cidade, como a região de Alphaville. Os itens que compõem sua moradia improvisada como lençóis e roupas, são doações de transeuntes. Em um caldeirão de aço, guarda os alimentos que recebe ao longo do dia.
Estudantes que circulam pela região relatam sentimentos que vão desde a solidariedade até o receio. Uma delas, que prefere não se identificar, afirmou que evita o ponto por medo, destacando que o local é geralmente deserto. Já outra estudante apontou que a situação de Mário reflete o agravamento das desigualdades sociais.
De acordo com levantamento divulgado pela Prefeitura de Salvador em 2023, 5.130 pessoas estavam em situação de rua na cidade. Desse total, a maioria era composta por homens (3.949), seguidos por mulheres (975), pessoas com identidade de gênero dissidente (103) e 103 que não responderam. A maior parte dos recenseados se autodeclarou preta ou parda e tinha entre 18 e 59 anos. Crianças, adolescentes e idosos também compõem esse grupo.
Entre os fatores que levaram essas pessoas à situação de rua, destacam-se a busca por sustento (28,3%), maus-tratos familiares (26%) e o uso de substâncias psicoativas (10,3%). Também foram registrados casos de desabrigamento (9,1%) e perdas familiares (3,6%).
A Secretaria de Promoção Social, Combate à Pobreza, Esportes e Lazer (Sempre) informou que atua com equipes do Serviço Especializado em Abordagem Social (Seas), de segunda a domingo, das 7h às 22h, para identificar e prestar assistência a pessoas em situação de rua. A prefeitura oferece ainda apoio por meio do Centro de Referência Especializado, das Unidades de Acolhimento Institucional e de outras 19 estruturas voltadas a esse público.
Dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) revelam um aumento significativo do número de famílias nessa condição na Bahia. Segundo o órgão federal, em 2024 foram registradas 14.705 famílias em situação de rua no estado, número que mais que triplicou em comparação aos 4.289 registros de 2020. O ministério afirma que parte desse crescimento pode ser explicada por uma requalificação recente da base de dados do Cadastro Único, que passou a refletir com maior precisão a realidade das famílias em vulnerabilidade.
A advogada e pesquisadora Eugênia Fernandes Bengard, autora de um livro sobre o tema, aponta que a pandemia da covid-19 e o desmonte de políticas públicas até 2022 são fatores que contribuíram para o aumento dessa população. Ela destaca que o perfil das pessoas em situação de rua também mudou, com o surgimento de famílias inteiras vivendo nas ruas por não conseguirem mais pagar aluguel.
A situação vivida por Mário Sérgio é apenas um entre muitos exemplos de uma realidade que combina desemprego, falta de acesso à moradia e desestruturação familiar. A ampliação de políticas públicas e o fortalecimento da rede de proteção social seguem sendo apontados por especialistas como caminhos necessários para enfrentar esse desafio.