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Vídeo “Adultização”, de Felca, escancara sexualização infantil nas redes e pressiona por regulação

Produção viral ultrapassa 30 milhões de views, denuncia exploração infantil por influenciadores e expõe falhas graves dos algoritmos e plataformas digitais

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“Adultização”. Esse é o nome do vídeo publicado pelo influenciador digital Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, que alcançou quase 34 milhões de visualizações em apenas cinco dias no YouTube. Com 50 minutos de duração, a produção viralizou, atravessou bolhas nas redes sociais e trouxe à tona o debate urgente sobre a exploração infantil na internet, informa BBC NEWS Brasil.

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No vídeo, Felca denuncia a atuação de produtores de conteúdo que utilizam crianças e adolescentes de forma sexualizada em vídeos monetizados, cobrando ainda a responsabilidade das plataformas digitais. Para demonstrar o problema, o influenciador de 27 anos criou um perfil fictício no Instagram, que passou a curtir apenas fotos de crianças em contextos ou poses sugestivas. O resultado foi alarmante: o algoritmo rapidamente passou a recomendar conteúdos com características de exploração infantil, espelhando o comportamento de pedófilos.

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Um dos casos destacados é o de Hytalo Santos, influenciador com mais de 20 milhões de seguidores. Em seus vídeos, ele expunha adolescentes, chamados de “filhos” ou “turma do Hytalo”, em danças sensuais e situações com conotação sexual.

A repercussão do vídeo levou a Justiça da Paraíba a determinar, nesta terça-feira (12/8), a suspensão dos perfis de Hytalo, além da interrupção de qualquer monetização e proibição de contato com menores de idade. O Instagram, que já investigava o caso desde 2024, retirou sua conta do ar após a denúncia viral. O TikTok alegou ter banido seus perfis em abril de 2023 e novamente em junho de 2025.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a exploração de imagens que violem a intimidade ou dignidade de crianças é crime, com pena de seis meses a dois anos de prisão.

Felca relatou em entrevista ao podcast PodDelas que, após a publicação dos vídeos, passou a andar com seguranças e carro blindado, devido a ameaças. “É difícil assistir a essas cenas. Dá vontade de vomitar”, relatou, sobre o processo de produção do vídeo. “Mas se ninguém fala, ninguém vai falar.”

A repercussão provocou um fenômeno raro: uniu vozes da direita e da esquerda, com elogios vindos de nomes como Érika Hilton e Nikolas Ferreira, que usualmente estão em lados opostos da política.

O que é adultização?

Segundo a advogada Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta e doutora em Direito Constitucional pela PUC-SP, adultização é o processo de impor padrões adultos a crianças, violando seu desenvolvimento saudável. A prática ocorre há décadas no Brasil, inclusive por meio do trabalho infantil, sexualização precoce ou gravidez na adolescência.

A diferença atual está no alcance das redes sociais, onde as imagens podem se espalhar em segundos e permanecer para sempre. “A criança vai crescer, mas a imagem ficará na internet”, alerta Temer.

Ela destaca que organizações como o Liberta, a Abrinq e o Ministério Público já denunciavam o caso de Hytalo há anos. “Felca não revitimizou essas crianças, elas já haviam sido exploradas. Mas ele conseguiu algo que ninguém tinha feito: derrubou o conteúdo e gerou comoção nacional.”

Impacto político e cobrança por regulação

A denúncia de Felca repercutiu no Congresso. A Câmara dos Deputados recebeu novos projetos de lei sobre exploração de menores, e o presidente da Casa, Hugo Motta, prometeu pautar propostas sobre o tema.

A ministra Gleisi Hoffmann, da Secretaria de Relações Institucionais, e a primeira-dama Janja Lula da Silva também defenderam a regulamentação das plataformas digitais para proteção de crianças.

No Senado, os senadores Damares Alves e Jaime Bagatolli propuseram uma CPI para investigar influenciadores e redes sociais, além da criação da Lei Felca, que pretende endurecer punições e obrigar a remoção imediata de conteúdos ofensivos envolvendo menores.

Luciana Temer defende o PL 2.628/2020, que trata da proteção de crianças em ambientes digitais, e pede urgência na tramitação. O projeto propõe responsabilização das plataformas e verificação real de idade para acesso, algo já adotado em países como Austrália, Reino Unido e França.

O texto também defende a retirada imediata de conteúdos que envolvam exploração sexual infantil, sem a necessidade de ordem judicial.

Temer argumenta que o Brasil precisa ir além: “Deveríamos proibir a monetização de qualquer vídeo com crianças. Hoje, as plataformas ganham com isso, e não são legalmente obrigadas a monitorar.”

Ela reforça que a discussão sobre proteção digital não deve ser confundida com censura. “Não se trata de fake news ou liberdade de expressão, mas da proteção da infância. A tecnologia para isso já existe. Só falta vontade política e pressão social.”

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